
Imagine que um dos sócios de uma empresa comete falta grave, mas o contrato social não estabelece como lidar com essa questão. Considerando que a sociedade possua um Estatuto que define regras claras, inclusive sobre a exclusão de sócios, seria possível a empresa excluir este sócio com base neste documento e sem intervenção judicial?
Em fevereiro deste ano a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, sim, é possível a exclusão extrajudicial de sócio com base em documento – Estatuto – mesmo que o contrato social não preveja esta possibilidade.
A decisão do REsp 2170665/DF teve grande repercussão, tanto no meio jurídico quanto no meio empresarial, porque estabeleceu novos parâmetros para a governança das sociedades empresariais, principalmente sobre a gestão de conflitos internos.
Tudo começou porque um sócio foi excluído de uma sociedade limitada por falta grave. No entanto, a exclusão sem a intervenção judicial não estava prevista no contrato social da empresa. Diante disso, o sócio excluído recorreu à Justiça, alegando que, conforme artigo 1085 do Código Civil, a exclusão extrajudicial só seria válida se houvesse uma cláusula expressa no contrato social da empresa, o que não era o caso.
Porém, antes da exclusão, todos os sócios celebraram um documento chamado “Estatuto” que, embora não tenha sito registrado na Junca Comercial, foi assinado por todos, inclusive pelo sócio excluído.
Esse estatuto estabelece, entre outros pontos, regras claras para exclusão de sócios e, conforme o entendimento do relator, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, esse documento poderia ser considerado um aditamento ao contrato social.
Um argumento interessante trazido pelo sócio excluído se pautava na ideia de que este “Estatuto” teria natureza de “Acordo de Sócios” e não uma modificação do contrato social, sendo portanto um documento “parassocial” e, por isso, não tem o mesmo peso jurídico que o contrato social.
É fato que a diferenciação entre um contrato social e um acordo de sócios nem sempre é simples, mas, no caso em tela, o STJ entendeu que este estatuto tratava de matérias típicas de um contrato social, estruturando e regulando a vida social e não somente os interesses particulares dos sócios, de modo que não faria sentido entende-lo como um acordo de sócios.
Se fôssemos seguir a lógica do sócio excluído, seria um acordo entre sócios, mas com clausulas inválidas, já que elas não podem ir contra o que está estabelecido no contrato social. No entanto, essa interpretação não leva em consideração a dinâmica real do negócio.
De acordo com a Corte, não faria sentido que os sócios, ao constituírem a sociedade, firmassem contrato social e , em seguida, elaborassem um acordo contrário a ele.
A interpretação mais lógica seria de que o Estatuto buscava apenas complementar as disposições do contrato, refletindo a vontade de todos os sócios de regulamentar de forma mais detalhada a convivência empresarial.
Dessa forma, o STJ concluiu que a exclusão extrajudicial de um sócio poderia ocorrer com base neste Estatuto, mesmo sem registro formal, desde que o documento fosse assinado por todos os sócios e estabelece claramente as condições para a exclusão.
Ou seja, ao assinarem o estatuto os sócios demonstraram ciência e concordância com suas disposições, conferindo ao documento validade entre as pares e produzindo efeitos imediatos.
A decisão do SJT traz uma nova perspectiva para as sociedades limitadas, especialmente no que diz respeito à gestão e resolução de conflitos internos. Ela reforça a importância de um bom planejamento e documentação entre os sócios, com a formalização de acordos claros sobre a operação da sociedade e as regras de convivência.
A possibilidade de resolver questões como a exclusão de um sócio sem recorrer ao Judiciario desse que haja documentos internos definindo tais regras, pode acelerar a resolução de conflitos, evitar que disputas se tornem mais complexas e exijam a intervenção judicial e prevenir lacunas que possam gerar impasses futuros.
Em um ambiente corporativo dinâmico, ter um bom jurídico te apoiando desde o início pode te ajudar a ter flexibilidade e clareza nas regras internas, que são fundamentais para o bom funcionamento e prosperidade da sociedade.