Thamara M. Belinatti e Heloisa Nogueira
No início de janeiro houve uma nova movimentação no processo de Recuperação Judicial (RJ) do grupo SouthRock, responsável pela operação da franquia de restaurantes italianos Eataly no Brasil. Em virtude do processo de recuperação judicial a solução encontrada foi a venda dos direitos da franquia para o fundo de investimentos Wings. Contudo, mesmo após a venda, a Recuperanda continuou utilizando a marca, descumprindo os termos do acordo firmado.
Como consequência, uma decisão importantíssima foi proferida por uma corte arbitral, que determinou a perda do direito de uso da marca pela Recuperanda devido à quebra contratual, a decisão reforçou a importância da pacta sunt servanda, mesmo em casos em que se há procedimento de reestruturação judicial em curso, estabelecendo um limite entre o princípio da função social do contrato e o de preservação da empresa.
O caso é um exemplo significativo do devido e necessário reconhecimento da competência das câmaras arbitrais mesmo em casos que envolvam o procedimento de Recuperação Judicial. O mecanismo que normalmente é reservado para discussão de enforceability de limites de contrato precisou adentrar a esta disputa entre o reconhecimento de dois princípios importantíssimos para o direito empresarial.
De forma geral a arbitragem é frequentemente utilizada também para a determinação de créditos ilíquidos das empresas em Recuperação Judicial, ou seja, contratos cujo valor ainda não está apurado. Nessas situações, a conferência pode ser realizada por meio de um juízo arbitral, considerando que a Recuperação Judicial não tem o condão de afastar ou suspender o procedimento arbitral, conforme o artigo 6º, §9º, da Lei 11.101/2005.
Ademais, o administrador judicial não pode recusar a eficácia da cláusula compromissória, uma vez que esta possui autonomia em relação ao contrato principal. Essa interpretação foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). No mesmo sentido, o Enunciado 75 da II Jornada de Direito Comercial esclarece que um processo de arbitragem em curso não pode ser suspenso em caso de decretação de Falência ou Recuperação Judicial, assim como é possível iniciar um novo procedimento arbitral nesses casos.
Portanto, o processo arbitral é permitido na Recuperação Judicial desde que a convenção arbitral seja anterior ao pedido de Recuperação Judicial. É importante destacar, contudo, que a arbitragem não tem competência para executar a coação ao pagamento determinado. Essa função é de competência exclusiva do magistrado falimentar, conforme previsto na legislação vigente.
O caso do grupo SouthRock demonstra como a arbitragem ganhou espaço em nosso ordenamento, especialmente após as alterações do Código de Processo Civil que passou a reconhecer a sentença arbitral como título executivo. A importância da arbitragem para a solução de questões contratuais e a apuração de créditos ilíquidos se mostrou essencial para eficiência na resolução do caso.